Prof. Josimário Silva*
Educar é com certeza uma das mais difíceis tarefas na construção social de uma nação. Há uma tendência natural do educador em ensinar de acordo com a sua percepção e seus valores e nesse processo a transmissão do conhecimento não dá espaço para que haja um diálogo mais aberto e reflexivo entre educando e educador. Mas educar é acima de tudo não dogmatizar. E ai está o grande desafio do educador: Como educar sem dogmatizar. Enquanto educadores devem perceber que houve mudanças no processo ensino / aprendizado e o que era unilateral centrado na figura do educador, passa a ser dinâmico, cabendo ao aluno buscar a solução dos problemas e, ao professor, orientar e ajuda-lo a superar as dificuldades e limitações. O educador deve manter compromissos pessoais, morais e sociais que lhe geram responsabilidades técnicas e éticas e na área médica acrescenta-se ainda o caráter altruísta, de solidariedade, de ajuda e de proteção que deve estar presente em toda relação pedagógica e em toda conduta médica. Mas é importante que se estabeleça essa relação sem paternalismo e com isso não se restringe a capacidade de autonomia de pensamento, o que fragilizaria o processo formativo diante das inúmeras situações e angustias que surgiram no cotidiano clínico. O conhecimento é um processo de construção contínuo e permanente, onde os interlocutores devem estar sempre sensíveis às mudanças que a ciência proporciona durante o seu desenvolvimento. Não podemos esquecer que a fundamentação que dá esteio a Medicina está nas ciências biológicas, humanas e sociais. Outro grande desafio do educador na área médica é sintonizar o ensino às exigências contemporâneas (alta tecnologia, grande volume de informação, manutenção do padrão social elevado, discrepância social no acesso aos serviços de saúde e direitos civis), enfatizando o papel social do ensino. A formação médica desde o início vem primando pela técnica, pelo o uso da tecnologia na resolução de todos os problemas e falhas que o organismo possa se deparar. Ensinamos aos nossos alunos e residentes que a cura do paciente será atingida se eles forem tecnicamente competentes e utilizarem todos os recursos tecnológicos disponíveis, mas esquecemos de dizê-los que as máquinas também falham e quando isso acontece, não ensinamos a estabelecer um diálogo franco e aberto com o paciente, que na realidade é a premissa básica na relação médico/paciente.
A introdução do tema bioética na graduação dos cursos médicos abre uma nova perspectiva na formação do futuro médico. Como se posicionar diante de problemas éticos e dilemas morais comuns ao cotidiano médico? Como aceitar a pluralidade de opinião e valores nas intervenções em saúde? Observamos o impacto que os temas como aborto, eutanásia, direito de decidir, diretivas antecipadas, etc…causam nos alunos que estão ávidos pelas disciplinas práticas e os estágios. Aquele falso universo de onipotência que já se instalou culturalmente na cabeça de muitos estudantes começa a ruir e eles percebem o quanto está fragilizado diante da possibilidade de ter que decidir por outra pessoa, doente, vulnerável e que muitas vezes não conseguem dimensionar os riscos agregados a sua patologia. Não é simples tomar decisões no contexto médico, principalmente quando está em jogo valores morais distintos. A medicina contemporânea vem por um lado promovendo e intensificando o modelo tecnicista, que tem trazido tantos avanços na cura de doenças, no diagnóstico precoce e nas intervenções terapêuticas cada vez mais cedo e por outro lado, provocando a necessidade de se repensar o modelo de relação médico-paciente. É de se questionar se esse avanço tecnológico não está de certa forma influenciando na não aceitação de aspectos como a espiritualidade e culturalidade que são inerentes a todos os seres humanos. Em uma sociedade de direitos e deveres, cabe ao profissional entender a capacidade de deliberar do paciente e a responsabilidade que tem o profissional de orientar e ajudar para que a deliberação possa atender o real interesse do indivíduo que na sua vulnerabilidade, encontra-se fragilizado para uma tomada de decisão mais coerente com o seu quadro clínico. Mas como ensinar ética em medicina se ainda existem pensamentos doutrinadores que não permite o estabelecer do diálogo nas atividades acadêmicas? Como ensinar ao estudante a ter postura ética se não darmos a ele à liberdade de fazer reflexões críticas e com isso torna-lo aliado de um modelo pedagógico participativo onde todos os atores são responsáveis pela formação. A ética hipocrática ainda tão presente na formação profissional, deve ser contextualizada em uma nova perspectiva, tendo em vista que novos dilemas e conflitos se estabeleceram nas relações em medicina. Historicamente o modelo de relação médico / paciente hipocrático, vem prevalecendo ao longo do tempo. Esse modelo também denominado consequencialista ou sacerdotal coloca o profissional de saúde em uma posição paternalista em relação ao paciente, onde em nome do princípio da beneficência são tomadas todas as decisões desconsiderando desejos, crenças e opiniões do paciente. Esse é um processo de baixo envolvimento, que tem como base uma relação de poder entre o médico e o paciente. Mas como ensinar ao nosso estudante que o princípio moral que rege a relação entre médico e paciente é o das virtudes? Buscar o justo equilíbrio entre a necessidade da intervenção e o direito de autonomia do paciente é o maior desafio na medicina contemporânea. Esse processo deve ser iniciado desde a entrada do aluno na faculdade. Respeitar e compreender a ambigüidade moral das decisões que enfrentam e não deixar de buscar o que é certo e bom em cada decisão é um grande desafio. O ensino de ética e bioética no curso médico tem sido motivo de intensos debates nos últimos anos. Esse fato é motivado por mudanças que vêem ocorrendo nos campos sociais, culturais, econômicos, tecnológicos e políticos. Faz-se imperioso melhor qualificar a formação ética do profissional médico por ser essencial em seu labor cotidiano, bem como no relacionamento com pacientes e seus familiares e a comunidade em geral. O século XXI pede por profissionais habilitados para tomarem decisões prudentes frente aos dilemas morais relacionados à saúde humana. A publicação do Relatório Flexner contendo a realidade da medicina do início deste século e as propostas de mudança para que se chegasse à medicina científica da atualidade, acarretou um distanciamento entre a Medicina e a Ética. A medicina científico-tecnológica “prescindia” de reflexões éticas, o que trouxe consequência ao ensino e à prática médica. Dois levantamentos realizados em 1985 e 1992 mostram a situação do ensino da ética nos cursos de graduação em medicina no Brasil e nos permitem concluir pela implantação do conteúdo de Bioética durante todo o processo formativo do futuro médico.
*Coordenador do Núcleo e Estudo e Pesquisa em Bioética da UFPE
Membro da Escola Superior de Ética Médica