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SBB participa de debate na TV Cultura relacionado ao Direito de Morrer

Regina 1O caso que envolve disputa judicial entre mãe e filho em virtude de (necessária) hemodiálise foi pauta da edição de 22 de fevereiro do Jornal da Cultura Debate, que teve como convidados a médica Regina Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), e o advogado Gilberto Bergstein, vice presidente da Comissão de Biotecnologia e Biodireito da OAB de São Paulo.

Confira a íntegra da entrevista no canal do Youtube https://www.youtube.com/watch?v=bW1_45aDV08&list=PLdnZUpbQ9Pfl4KuEb__-zy1vQO-yaAgz6&index=1

Apenas para relembrar: liminar do juiz Éder Jorge, da 2.ª Vara de Trindade, em Goiás, interditou parcialmente José Humberto Pires de Campos Filho, de 22 anos, e que sofre de problemas renais crônicos, em virtude de sua decisão de não mais se submeter a sessões de hemodiálise. Tal decisão fez com que sua mãe, Edina Alves Borges, recorresse ao Poder Judiciário para exigir que  filho faça o tratamento contra a própria vontade.

O ponto central neste debate bioético refere-se à autonomia de jovem maior de idade que se recusa a meios disponíveis pela Ciência Médica capazes de salvar-lhe a vida.

 Apenas para dar uma noção de o quanto a discussão está acirrada, vale citar enquete promovida pelo jornal O Estado de São Paulo, que levantou que, entre os entrevistados, 46% opinaram que a mãe deve interferir, enquanto 54%, que o filho deve ter autonomia para decidir se quer ou não se tratar.

 O filho, a mãe e o juiz 

Logo no início do JC Debate, apresentado jornalista Andresa Boni, veiculou-se matéria realizada em Goiânia, na qual o jovem garante “não querer ficar atrelado a uma máquina a vida inteira, nem esperar nada de um transplante, que pode dar errado ou ser rejeitado”.

 Ao ouvir da reportagem que a única alternativa seria a morte, José Humberto responde: “sim, eu sei. Pelo menos até o dia em que se criarem órgãos sintéticos”.

 Ainda no JC Debate foram apresentados depoimentos de Edina Borges – que afirmou haver se decidido por liminar, ao ser informada pela equipe médica de que seu filho poderia entrar em coma; ter parada cardíaca; e ficar com “água nos pulmões” – e do juiz Éder Jorge Luiz, que afirmou: “concedi a liminar porque, segundo a perita do Tribunal de Justiça, uma psiquiatra, apesar de o jovem ter capacidade de entendimento e lucidez, não consegue se determinar de acordo com esse entendimento”.

A decisão de obrigar o paciente a submeter-se a hemodiálise é provisória e não compreende medidas coercitivas. A definitiva será emanada depois de este passar por acompanhamento psicológico, e de se conhecer a posição do Ministério Público.

 “Discussão Mundial”


Em sua fala, Regina Parizi lembrou que a discussão sobre recusa de tratamento é mundial, envolvendo, em geral, idosos, suas famílias e equipe de saúde, por conta do processo de envelhecimento da humanidade. “No caso em questão o debate é ainda mais intenso, por envolver jovem com perspectivas de tratamento, como o próprio transplante e diálise”. Ela disse imaginar que a equipe de saúde que atende José Humberto esteja oferecendo o tratamento mais adequado, inclusive, suporte psicológico.

Tal debate envolvendo o “direito de morrer”, diz a presidente da SBB, fez com que várias nações legislassem sobre Diretivas Antecipadas de Vontade – documento produzido pela própria pessoa, quando ainda capacitada para tal.

 Conhecida também como Testamento Vital, as Diretivas de Vontade são realidade em países da América do Sul, como a Argentina e Uruguai; na Europa, em nações como Portugal, França e Espanha e nos EUA, onde o tema é regulamentado em “praticamente todos os Estados, como no Oregon, principalmente pela mobilização da sociedade”. Nesses locais a tendência é respeitar-se a vontade da pessoa, afirma Regina.

 Indo na mesma direção, os bioeticistas costumam adotar a linha de defesa da autonomia pessoal “mesmo porque, se você além de bioeticista é médico, vai saber que a concordância do paciente ao tratamento, com base na confiança ao que está sendo proposto, é fundamental para a adesão à terapêutica”, fala Regina, que acrescenta: “a partir da reportagem que vimos, pode-se traduzir que o paciente não está convencido de que seria bom para ele submeter-se a tudo isso, ou esperar um transplante”.

 Neste momento, indica, um dos caminhos seria ampliar um pouco mais a equipe e tentar um processo de convencimento do paciente, com enfoque em suas alternativas para melhorar, e promovido de acordo com a faixa etária dele. “No limite, se persistir na decisão, dificilmente alguém vai conseguir uma colaboração adequada em relação aos tratamentos oferecidos”.

 A quem pertence a vida afinal? questiona Regina. “Se focalizarmos um pais como o Brasil, majoritariamente cristão, isso é remetido à questão da espiritualidade. Em outros, vão dizer ‘pertence ao individuo’. Então em um determinado momento, a sociedade vai ter que resolver se devemos respeitar as decisões do paciente ou não”.

 Em relação a isso, há um projeto de lei na Câmara, parado há tempos na Comissão de Direitos Humanos, que determina que sejam respeitadas as decisões do paciente. No momento, decisões judiciais são tomadas com base em normas infralegais, como resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) voltada a Diretivas antecipadas de Vontade.

 “Decisão difícil”

 O advogado Gilberto Bergstein, da comissão de Biotecnologia e Biodireito da OAB, ressalta ser uma decisão “extremamente difícil” ao juiz da causa – no caso, Éder Jorge Luiz, “Por um lado, pela nossa legislação, o jovem teria autonomia de decisão por ter 22 anos. Por outro, é ponderado que não tenha maturidade emocional suficiente”.  Por isso, raciocina: a decisão final deve se basear na opinião dos representantes da Medicina, não do Direito.

Na opinião do advogado, não cabe ao Direito se intrometer na autonomia das pessoas, “que vai muito além do direito de ir e vir”, como mencionou o juiz Éder Jofre. “Em última análise, está se decidindo a respeito da saúde e da própria vida desse rapaz. O direito pode obrigar as pessoas a permanecerem vivas?; pode e deve obrigar alguém a submeter-se a algo contrário a sua vontade?”, questiona.

Conforme Bergstein, o paciente só consegue consentir quanto a qualquer procedimento, seja transplante, seja hemodiálise ou outro, se contar com todas as informações necessárias, ou seja, esteja ciente dos riscos da terapia e prognóstico da doença. “Pela reportagem, José Humberto parece estar bastante inteirado da própria situação dele, mas é muito jovem, e precisa de um acompanhamento intensivo de uma equipe multiprofissional”.

Segundo Bergstein, o legislativo de cada povo reflete os eleitores e as leis, a cultura daquele país. “Nos EUA onde há uma cultura desenvolvida no sentido da autonomia. A liberdade é fundamental. As pessoas não só fazem suas diretivas de vontade, algumas delas têm o requinte de tatuarem em seu peito, por exemplo, que não querem ser entubadas ou reanimadas”.

O conjunto de normas de um país é chamado de ordenamento jurídico, explica. A constituição está acima de todas as normas, e logo abaixo as leis complementares, as leis ordinárias, e abaixo, outras regras emanadas, por exemplo, do Conselho Federal de Medicina, “cogente aos médicos, que tem a orientação de respeitar a vontade do paciente. Mas isso não está ainda numa lei, levando a esses conflitos, que podem ser encaminhados ao judiciário, para serem decididos pontualmente”.

EDITORIAL: O ensino médico na UTI

É muito preocupante a qualidade dos profissionais que as faculdades de medicina estão colocando no mercado todos os anos. É o que mostra reportagem publicada pelo Diário da Região na edição de hoje com base em resultados do exame aplicado pelo Conselho Regional de Medicina (Cremesp) em estudantes de 30 instituições do Estado de São Paulo. Dos 2.677 alunos de sexto ano submetidos ao teste, 1.511 não conseguiram acertar o mínimo esperado, ou seja, 72 das 120 questões da prova realizada em outubro passado.

Alguns dados em especial escancaram a fragilidade do ensino paulista – e se é assim em São Paulo, dá para imaginar o cenário no restante do País. De acordo com o teste do Cremesp, 80% dos alunos avaliados não souberam nem interpretar um exame de radiografia; 76% não souberam indicar medicação associada ao ganho de peso; 75% não souberam responder quais seriam as características de um paciente com deficiência respiratória nem qual a conduta a ser seguida; 70% não souberam diagnosticar tuberculose por meio de exame físico do paciente, além de fracassar em uma questão que pedia para o futuro médico indicar o procedimento adequado para um paciente em crise de hipertensão.

Profissionais ouvidos pela reportagem dizem que falta docente qualificado com mestrado e doutorado. Consideram como uma das necessidades a promoção de melhorias nos métodos de ensino, além de se adotar mais rigor em seus sistemas de avaliação. Os resultados, no entanto, só poderão aparecer se o governo também for mais rigoroso nos processos de autorização para funcionamento de novas instituições e no fechamento de cursos com baixo desempenho. Inclusive com a grandeza de não desqualificar estudos como o do Cremesp, que não impede entidades de diplomar seus formandos, mas é uma referência importante e pode muito bem funcionar como certificado de excelência.

Desde 2005 até o ano passado, o Brasil ganhou 126 novos cursos, sendo 72 privados e 54 públicos. O Brasil reúne 272 escolas médicas. Dezenas dessas instituições nem sequer firmaram parcerias com instituições hospitalares, os hospitais-escola, imprescindíveis para que o aluno possa ter contato regular e mais direto com os pacientes.

Por fim, é relevante destacar que felizmente, nem tudo é um caos. Existem as honrosas exceções, que deveriam servir de modelo a ser seguido: a situação é oposta na região, com o desempenho positivo dos alunos formados na Famerp, de Rio Preto, e na Fipa (Fameca), de Catanduva, que estão entre as escolas com 60% ou mais de índice de acerto dos seus alunos.

 Fonte: DIÁRIO DA REGIÃO ONLINE – SÃO JOSÉ DO RIO PRETO