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A nossa dor não sai no jornal: Mulheres Negras e a epidemia do Zika vírus, um ano depois

Há mais ou menos um ano nos deparamos com um novo tipo de vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue e a chikungunya, e a descoberta ocorreu por conta do nascimento de crianças com o perímetro cefálico menor (microcefalia) que a medida padrão.

A ocorrência da microcefalia surgia no mesmo momento e nos mesmos lugares onde havia a epidemia do zika vírus, no nordeste do País, mais precisamente em Pernambuco e na Bahia. Desde então pesquisas vem sendo feita para identificar a causalidade entre o zika vírus e os recém-nascidos com microcefalia.

“A epidemia de microcefalia registrada no Brasil em 2015 é resultado de infecção congênita da mãe para o bebê por zika”. A conclusão é de um estudo caso­controle preliminar do Microcephaly Epidemic Research Group (MERG), publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases, intitulada “Association between Zika Virus infection and microcephaly in Brazil, January to May 2016: Preliminary report of a case control study”. A pesquisa ainda aponta sobre o que virá “uma epidemia global de microcefalia e outras manifestações da Síndrome Congênita do Zika.”

De acordo com o informe epidemiológico do Ministério da Saúde nº. 48, até 15 de outubro de 2016 havia 9.862 casos notificados para microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, sendo 2063 confirmados: Nordeste apresentou mais da metade dos casos (1650), Sudeste (219), Centro-Oeste (107), Norte (68), Sul (19).

No entanto, mesmo diante de uma situação que abala a saúde pública do País, ainda não foram realizadas medidas que de fato mudassem o cenário até o momento, como saneamento básico, promoção da saúde, saúde reprodutiva e informações suficientes à população sobre a epidemia e forma de transmissão do vírus. O que observamos é um silenciamento da grande mídia e dos órgãos de governo responsáveis.

Quem são as pessoas que tem as suas vidas mais prejudicadas pelo zika vírus e suas consequências? São mulheres em idade reprodutiva, do nordeste do Brasil, em situação de pobreza e negras em sua maioria. Essas mulheres moram em situações inadequadas, com acesso irregular a serviços de saneamento básico, ambiente este que colabora para o desenvolvimento de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes (Figura 1).

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Fonte de Dados: Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2010)

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), os Estados do Nordeste estão nas últimas colocações do Ranking nacional. Com destaque para Pernambuco em 19º lugar e a Bahia em 22º, os dois estados onde ocorreram mais casos de zika vírus e microcefalia.

Os dados sobre a situação das mulheres como chefe de família do Atlas de Desenvolvimento Humano, apresentam que as mulheres da Bahia e Pernambuco tem um maior percentual como chefia de família, quando comparamos Brasil, São Paulo e Santa Catarina, destaco que estes dois estados estão os três primeiros no Ranking do IDH (Figura 2).

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Fonte de Dados: Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2010)

O que estamos observando, escutando as mulheres, é que as mães dos filhos com microcefalia estão assumindo grande parte de todo o processo de cuidado, tendo que acompanhar os seus filhos nos atendimentos das redes de serviços, comprometendo toda a sua rotina de vida e trabalho.

A epidemia deste vírus e a negligência do Estado na sua desatenção ou no seu investimento insuficiente podem ser pensado como um case de racismo institucional e ambiental. Racismo Institucional trata-se da falha coletiva de uma organização em fornecer um serviço adequado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica (SANTOS, 2001)Racismo Ambiental é o aprofundamento da estratificação de pessoas (raça, cor e etnia) e de lugar (nas cidades, bairros periféricos, áreas rurais entre outros) (SANTANA FILHO; ROCHA, 2008).

No que se refere aos direitos reprodutivos, a falta de acesso à saúde para um planejamento reprodutivo, por meio de informações e métodos contraceptivos, também é outra realidade, e são as mulheres negras do Nordeste que têm menos acesso aos métodos (Tabela 3). Pesquisas  já apontam que o vírus também é de transmissão sexual (Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC)), possivelmente serão as mulheres negras e em situação de pobreza as mais expostas a essa situação, pois estão mais vulneráveis a desinformação sobre o uso de preservativos para a proteção contra o vírus.

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Fonte de Dados: Pesquisa Nacional de Saúde/IBGE (2013)

Pela Vida das Mulheres

O movimento de mulheres e de mulheres negras vem atuando frente à epidemia do zika vírus, participando de diálogos junto a Nações Unidas e atuando nas comunidades com projetos de intervenção com a finalidade de ampliar a informação pelo direito à saúde.

Em Março deste ano, Jurema Werneck elaborou um Boletim sobre o impacto da epidemia chamando atenção para as mulheres negras, que seria a população mais exposta as consequências do vírus. Além disso, apresentou 10 pontos reivindicando o direito a saúde e pelo bem viver (Boletim Epidemia de Zika e Mulheres Negras).

O grupo de pesquisa Anis, liderado pela pesquisadora Debora Diniz, apresenta juntamente com a Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP uma ação no Supremo Tribunal Federal sobre a proteção de direitos violados na emergência de saúde pública do vírus zika.

Há muitas incertezas sobre o zika vírus e as suas consequências nas crianças com a síndrome congênita, mas o que sabemos é que são as mulheres em idade reprodutiva, negras do nordeste que estão no centro da epidemia e na margem da sociedade e das políticas públicas. Essa situação nos coloca diante de novas lutas para a garantia dos direitos das mulheres e dessa nova população que chega. E com este cenário político que se instala de usurpação de direitos sociais, políticos e humanos convergem para a invisibilidade, a desatenção e a violação do direito humano à saúde desta população.

Referencias

SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil : a trilha do círculo vicioso. [s.l.] Editora SENAC São Paulo, 2001.

SANTANA FILHO. Diosmar M. de. ROCHA, Júlio Cesar de Sá.  Justiça Ambiental da Águas e Racismo Ambiental. Justiça pelas águas: enfrentamento ao racismo ambiental – Salvador, Superintendência de Recursos Hídricos, 2008. p. 35